Quando eu era criança, sempre
achei que um vilão era um personagem que gostasse de ver o sofrimento alheio.
Ele se fortificava e se deliciava com súplicas, lágrimas, lamúrias e desgraças.
Isso era sua força, seu objetivo, seu fim. E lógico, quanto mais perto da
angústia, melhor seria.
A presença de um vilão frente à
desgraça alheia também era importante para render às histórias possibilidades
de arrependimento, afinal o gosto pelo sofrimento era apenas uma maneira de
mostrar ao mundo o próprio inferno – todo vilão tinha um passado perturbado –
um pedido de socorro.
E assim, não raro tínhamos muito
mais afinidade com os vilões do que com os mocinhos... e os atores que
representavam os primeiros sempre foram muito mais interessantes, premiados e
ovacionados.
O novo álbum do Muse, Drones, nos
apresenta um novo tipo de vilão, a qual as histórias da infância nada falam. Moderno,
real, nada interessante, e globalmente muito mais perigoso: a destruição de
empatia e a desumanização do ser humano, teatralmente transformado em um Drone.
Ele surge das crianças
questionadoras e sonhadoras forçadas a tomarem Ritalina aos montes para se
calarem. Cresce com jovens que sofrem bullying por terem vontades diferentes da
média. Desabrocha na adolescência aonde a futilidade é o ritmo e a
promiscuidade é a melodia. Vira adulto buscando carreiras meteóricas em
empresas que não se importam com pessoas. Tornam-se pais cansados, vazios e
perdidos que acabam por entupir suas crianças de Ritalina.
A falta de empatia parece tornar
tudo mais simples e objetivo, pois a realidade alheia não precisa ser levada em
consideração. É habeas corpus para o egoísmo, justificava para o desdém, permissão
para a presunção e arrogância. Tão fácil quanto apertar um botão a milhares de
quilômetros de distância e tirar centenas de vidas (afinal, o que os olhos não
vêem, o coração não sente). Tão certo que não há qualquer necessidade ou
possibilidade de arrependimento.
O tema não é novo – Roger Waters
o explorou (mas de maneira muito mais intimista) no épico The Wall, mas se
torna cada vez mais recente. Estamos deixando o capitalismo tomar conta de
todas as nossas decisões, e nos tornando escravos hedonistas ocultos de marcas,
formas e estéticas. E nos enganamos todos os dias que estamos no controle. Que iDecidimos.
Que iQuero; iFaço; iPenso; iSonho; iSei.
Por isso, esse álbum é
obrigatório! Ele nos força a pensar o que estamos estamos fazendo da nossa vida
e o que isso tem causado na vida de outras pessoas. Somente quando enxergarmos
que nossas reclamações do dia-a-dia são tentativas errôneas de preencher um
vazio muito maior é que poderemos começar a perceber que não merecemos a
atenção que estamos clamando. O outro merece mais.
E assim como o personagem, que se
rebela contra seus algozes e encontra redenção no amor da sua família, nós um
dia iremos quebrar as correntes que nos aprisionam dentro de nós mesmos, e que
deturpam nossa memória sobre quem somos, de onde viemos e aonde estamos
destinados a ir.
Nesse final de semana, voltamos à nossa programação normal!
Excelente texto para um ótimo álbum com uma opinião a qual compartilho. Parabéns, Samuel.
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