segunda-feira, 8 de junho de 2015

Drones

Quando eu era criança, sempre achei que um vilão era um personagem que gostasse de ver o sofrimento alheio. Ele se fortificava e se deliciava com súplicas, lágrimas, lamúrias e desgraças. Isso era sua força, seu objetivo, seu fim. E lógico, quanto mais perto da angústia, melhor seria.

A presença de um vilão frente à desgraça alheia também era importante para render às histórias possibilidades de arrependimento, afinal o gosto pelo sofrimento era apenas uma maneira de mostrar ao mundo o próprio inferno – todo vilão tinha um passado perturbado – um pedido de socorro.

E assim, não raro tínhamos muito mais afinidade com os vilões do que com os mocinhos... e os atores que representavam os primeiros sempre foram muito mais interessantes, premiados e ovacionados.

O novo álbum do Muse, Drones, nos apresenta um novo tipo de vilão, a qual as histórias da infância nada falam. Moderno, real, nada interessante, e globalmente muito mais perigoso: a destruição de empatia e a desumanização do ser humano, teatralmente transformado em um Drone.

Ele surge das crianças questionadoras e sonhadoras forçadas a tomarem Ritalina aos montes para se calarem. Cresce com jovens que sofrem bullying por terem vontades diferentes da média. Desabrocha na adolescência aonde a futilidade é o ritmo e a promiscuidade é a melodia. Vira adulto buscando carreiras meteóricas em empresas que não se importam com pessoas. Tornam-se pais cansados, vazios e perdidos que acabam por entupir suas crianças de Ritalina.

A falta de empatia parece tornar tudo mais simples e objetivo, pois a realidade alheia não precisa ser levada em consideração. É habeas corpus para o egoísmo, justificava para o desdém, permissão para a presunção e arrogância. Tão fácil quanto apertar um botão a milhares de quilômetros de distância e tirar centenas de vidas (afinal, o que os olhos não vêem, o coração não sente). Tão certo que não há qualquer necessidade ou possibilidade de arrependimento.

O tema não é novo – Roger Waters o explorou (mas de maneira muito mais intimista) no épico The Wall, mas se torna cada vez mais recente. Estamos deixando o capitalismo tomar conta de todas as nossas decisões, e nos tornando escravos hedonistas ocultos de marcas, formas e estéticas. E nos enganamos todos os dias que estamos no controle. Que iDecidimos. Que iQuero; iFaço; iPenso; iSonho; iSei.

Por isso, esse álbum é obrigatório! Ele nos força a pensar o que estamos estamos fazendo da nossa vida e o que isso tem causado na vida de outras pessoas. Somente quando enxergarmos que nossas reclamações do dia-a-dia são tentativas errôneas de preencher um vazio muito maior é que poderemos começar a perceber que não merecemos a atenção que estamos clamando. O outro merece mais.


E assim como o personagem, que se rebela contra seus algozes e encontra redenção no amor da sua família, nós um dia iremos quebrar as correntes que nos aprisionam dentro de nós mesmos, e que deturpam nossa memória sobre quem somos, de onde viemos e aonde estamos destinados a ir.

Nesse final de semana, voltamos à nossa programação normal!

Um comentário:

  1. Excelente texto para um ótimo álbum com uma opinião a qual compartilho. Parabéns, Samuel.

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